domingo, 4 de março de 2012

Relato Da Minha Décima Primeira Morte

Dentre tantas vezes que morri, está noite foi a pior delas:

Meus olhos sangravam, enquanto faltava sangue em minhas veias, meus lábios rachados agora estão ficando mais secos do que antes, meus olhos castanhos sem cor brilhavam ao focarem no único ponto de luz. No meio do nada e do escuro eu morro aos poucos, com tanta coisa inútil ao meu redor. Lápis e caderno jogado comigo ao chão, gravuras fincadas na parede e meia xícara chá que de tanto tempo sobre a mesa já esfriou. Escuto o som do silêncio gritando comigo. Sobre o céu, furos cintilantes e uma lua cinza sumindo nas nuvens negras. “É tempestade. Vai ser forte, vai matar, mas, logo passa…” pensei enquanto olhava a falta de cores e sentia o vento passar levando galhos, troncos e raízes. Eu, que sempre reclamava do tempo quente e fazia birra para andar descalça, neste momento sentia o frio tomar conta do meu corpo e implorava por uma sandália, uma meia, “qualquer coisa que esquente a pontinha do pé, por favor!”. Eu que sempre zombava da carência dos poetas sentia na pele o que é ser beija-flor e perder sua flor. Ser só beija, não cabe a ninguém -agora sei. Eu que sempre julguei tolo os bailarinos que dançavam incansavelmente ao som das músicas aleatórias gastando o pouco que sobrava da sola de seus sapatos, morria sem música, sem dança, sem par nem sapatos. Eu que sempre chamei de fraco quem fugia, eu que sempre tapava a boca de quem se libertava aos gritos, eu que sempre fui tão contra ao liberto, e sempre fui tão reservada, tão seca, hoje, queria ser rio corrente. Eu que sempre reclamava do nascer do sol, hoje tudo que queria era vê-lo aparecer por trás das cortinas amareladas, brilhando na ponta da janela. “Eu morro mas o sol não nasce”. Vou morrer ao escuro, com o frio que um dia tanto quis, com a carência da qual sempre zombei, vou morrer sem saber o que é arrastar o pé no chão ao ritmo de um som qualquer, um tom qualquer. Vou morrer desejando um dia ter estado no lugar daquele que gritava, que sentia, que chorava, que corria sem medo de tropeçar, que fugia para bem longe, do que nem pensava em voltar. Vou morrer aqui, não de acidente ou assassinato. Vou morrer de dor, arrependimento, falta de amor. Vou morrer com essa tempestade. Não, não a do tempo que se forma lá fora, mas com a que eu criei aqui dentro. Essa que como eu disse antes passa levando galhos, troncos e raízes. A morte se aproximou há tempos. Tolice minha não ter notado antes o que é tão óbvio: Eu sou a morte. E de todas as vezes que morri, eu estava lá, não como vítima, mas como culpada. Sempre foi culpa minha. Como não notei isso antes? Mas, não adianta reclamar, agora só me resta dizer adeus. Preciso ir, preciso morrer, prometo voltar com os passos de tango decorados e a rosa vermelha às mãos. Amanha nos vemos, ao entardecer. Pois neste momento preciso matar. E morrer…

AlémdasRosas.

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